O gargalo invisível do comércio

O comércio exterior brasileiro enfrenta um problema que não aparece nas manchetes, mas impacta diretamente a competitividade do país: a lentidão e a fragmentação dos processos de documentação e compliance. Embora infraestrutura, portos e transporte recebam boa parte da atenção, é no fluxo documental que se escondem atrasos capazes de travar operações inteiras.

A burocracia que o país não vê

Estudos do setor apontam que mais de 60% dos atrasos nas exportações e importações estão ligados a inconsistências documentais, retrabalho e falta de integração entre sistemas públicos e privados. O tempo gasto para corrigir divergências em informações, notas fiscais, declarações aduaneiras e certificados ainda é superior ao de vários países emergentes. Em muitos casos, a carga chega ao porto antes de a documentação estar plenamente validada, gerando filas, custos extras e incerteza operacional.

Segundo o Banco Mundial, o Brasil leva em média quatro vezes mais tempo que países da OCDE para processar etapas prévias ao desembaraço. A burocracia também afeta o modal marítimo, responsável por mais de 90% das exportações brasileiras em volume. Pequenos erros — um dígito incorreto, um campo incompleto, uma classificação mal informada — se transformam rapidamente em dias de espera e custos elevados.

O impacto invisível que vira dinheiro

O gargalo documental não aparece em fotografias como caminhões parados ou pátios congestionados. No entanto, ele pesa no orçamento das empresas. A demora na liberação de cargas aumenta custos de armazenagem, eleva o risco de multas e expõe o exportador a variações cambiais. Para muitos setores, esse atraso desorganiza a cadeia produtiva e compromete contratos internacionais.

Além do custo direto, existe o custo estratégico. A previsibilidade é um ativo essencial no comércio exterior, e países com fluxos documentais mais ágeis atraem investimentos e ampliam sua participação global. Enquanto isso, o Brasil opera com processos fragmentados entre Receita Federal, Anvisa, Mapa, transportadoras, despachantes e terminais — cada um com seu sistema, sua exigência e seu tempo de resposta.

O que outros países já fazem

Modelos adotados em nações líderes mostram que o caminho passa pela integração total de dados e por plataformas únicas de trade compliance. Singapura, por exemplo, opera há anos com um sistema que conecta governo, operadores logísticos, bancos e seguradoras em uma única interface. O resultado é um fluxo quase contínuo de validação documental e redução drástica de retrabalhos.

União Europeia e Estados Unidos avançam com sistemas de automação e pré-checagem que permitem identificar erros antes mesmo de a carga se mover fisicamente. O efeito é simples: menos atrito, menos espera, menor custo.

Onde o Brasil falha

A digitalização ocorreu, mas de forma desigual. Muitas empresas já utilizam sistemas avançados de gestão, porém continuam obrigadas a inserir as mesmas informações em plataformas distintas. Órgãos reguladores operam com sistemas que não se comunicam entre si, e a checagem documental ainda depende de validações manuais em vários pontos do processo.

Essa fragmentação é o verdadeiro gargalo invisível. Ela não aparece nos relatórios de infraestrutura, mas corrói a eficiência do comércio exterior brasileiro.

O que precisa ser feito

O país tem condições de virar esse jogo. A adoção de automação documental, inteligência artificial e integração entre bases públicas e privadas pode reduzir significativamente o retrabalho e aumentar a previsibilidade das operações. Os benefícios são evidentes: mais competitividade, menor custo financeiro e maior segurança jurídica para exportadores e importadores.

Além da tecnologia, é essencial avançar na padronização de processos, na qualificação de profissionais e na criação de um ambiente regulatório mais simples e harmonizado. O comércio exterior brasileiro não pode depender de dezenas de portais e documentos desconectados; precisa de um ecossistema integrado, moderno e confiável.

Conclusão

O gargalo que limita o comércio exterior do Brasil não está apenas em pistas, portos ou ferrovias. Ele está na burocracia invisível que atrasa decisões, bloqueia cargas e aumenta custos. Resolver esse problema é mais barato que grandes obras e mais urgente que qualquer expansão física. É uma questão de eficiência nacional.

*Thiago da Silveira Pinto Machado atua na gestão de cadeias de suprimentos e operações de comércio exterior, com experiência consolidada em empresas multinacionais dos setores de energia, siderurgia e agronegócio. É especialista em logística internacional, automação de processos e conformidade aduaneira. Participa ativamente de iniciativas profissionais do CSCMP e possui formação avançada em estratégia de supply chain pela Rutgers University.